Um dia desta semana, conversando com uma amiga irmã
dominicana, trocávamos comentários sobre a forma como São Domingos, o fundador
da Ordem dos Pregadores, nos tinha sido apresentado.
Para essa amiga, já com bodas de ouro de vida consagrada
cumpridas, perdura na memória a imagem de um São Domingos austero, um São
Domingos marcado pelos exercícios de ascese, um São Domingos de alguma forma
distante, frio, impessoal, compaginada com uma outra imagem mais piedosa e
romântica, mas igualmente destorcida na medida em que dissimula ou esconde a
pessoa com as suas limitações e fraquezas.
Para esta imagem e os seus contornos contribuiu enormemente a
“Vida de São Domingos”, que o Padre Lacordaire escreveu em pleno século
dezanove, quando se lançava no desafio de restaurar a Ordem em França, e que
foi manual de formação dominicana para muitas gerações de irmãos e irmãs.
Ali podemos encontrar um São Domingos e uma vida que são
impulsionados desde o primeiro momento por uma ideia visionária, por uma grande
genialidade, em que as dúvidas, os problemas não existem, pois desde o primeiro
momento, poderíamos dizer desde o nascimento, tudo se coordena e orienta para a
prossecução do fim último, a fundação de uma grande Ordem religiosa ao serviço
da Igreja e da verdade da Doutrina da Fé.
Como filho de São Domingos do século vinte e um, a imagem que
recebi de São Domingos distancia-se bastante da apresentada pelo Padre
Lacordaire e da que a minha querida irmã recebeu na sua formação inicial.
De facto, as histórias de São Domingos que li, que me foi
dado conhecer, a começar pela monumental e historicamente fundamentada do Padre
Vicaire, são histórias em que a pessoa humana de Domingos de Guzman não é
escondida, em que não há qualquer medo nem problema em assumir que o projecto
da Ordem foi algo que foi crescendo com o tempo e face às circunstâncias, umas
favoráveis, outras adversas.
Diante destas histórias, destas vidas, em que se assume a
vida com toda a sua grandeza e miséria, em que se percebe a pedagogia divina em
paralelo com a força criativa do homem face aos desafios que se lhe colocam,
sentimos que também nós podemos avançar e arriscar uma resposta no seguimento
de Jesus.
Afinal o nosso fundador, os fundadores de qualquer Ordem ou
Congregação, são homens e mulheres como nós, tiveram também os seus medos, as
suas dúvidas, foram crescendo tacteando uma resposta à medida que a graça de
Deus ia agindo neles e eles se iam deixando trabalhar por ela.
Com eles e como eles também nós podemos fazer o mesmo. Está ao
nosso alcance!
Ilustração: “São Domingos”, fresco de Fra Angélico no
Convento de São Marcos em Florença.
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